A mulher rei
Baseado em fatos reais?
Esse texto não é sobre o filme em si. É sobre a indústria do entretenimento e usamos o filme como exemplo prático. Hollywood não se importa realmente com a nossa história e com a verdade. Um filme “baseado em fatos reais” muitas vezes é mais fantasia do que história.
Vamos ser sinceros, a história nem sempre se desenrola da maneira que nossas sensibilidades modernas gostariam: com heróis claramente justos e iluminados pedindo justiça e liberdade.
Frequentemente a nossa história está repleta de atrocidades e momentos que nos dão vergonha e preferiríamos esquecer. Mas usando um dialeto Yoda: esquecer a gente não deve. Porque aqueles que não conhecem (ou editam) o passado estão fadados a repeti-lo.
Se você assistir o filme em questão e depois for ler a verdadeira história você verá que “o baseado em fatos reais” é usado de maneira bem… descompromissada.
A verdadeira história é essa:
Ghezo foi rei do Daomé (atual República do Benin) de 1818 a 1859. Enquanto a demanda de Portugal por escravos no Brasil aumentou em 1830, os britânicos iniciaram uma campanha para abolir o tráfico de escravos na África. Eles começaram a pressionar o rei Ghezo na década de 1840 para acabar com o tráfico de escravos em Daomé. O rei respondeu a esses pedidos dizendo que não poderia acabar com o tráfico de escravos por causa da pressão doméstica. E adicionou:
“O tráfico de escravos é o princípio dominante do meu povo. É a fonte e a glória de sua riqueza… a mãe embala a criança para dormir com notas de triunfo sobre um inimigo reduzido à escravidão”
O Reino de Daomé tinha uma celebração anual chamada Os Costumes Anuais de Daomé. Esta celebração envolvia arrecadação e distribuição de presentes e homenagens, cerimônias religiosas envolvendo sacrifícios humanos, desfiles militares e discussões de dignitários sobre o futuro do reino.
Como Daomé era uma potência militar envolvida no comércio de escravos, sacrifícios humanos de escravos tornaram-se aspecto crucial da cerimônia. Cerca de 4.000 foram mortos em uma dessas cerimônias em 1727.
As Amazonas de Daomé eram um regimento militar feminino do Reino que existiu de 1600 a 1904. Enquanto as narrativas europeias se referem à essas mulheres como “Amazonas”, elas se autodenominavam ahosi (esposas do rei) ou mino (nossas mães).
Durante sua adesão ao regimento, elas não tinham permissão para ter filhos ou ter vida conjugal (embora fossem legalmente casadas com o rei). A tradição oral daomeana sustenta que, no recrutamento, as amazonas eram submetidas à mutilação genital.
Servir nesse regimento oferecia às mulheres a oportunidade de “subir a posições de comando e influência” em um ambiente estruturado para o empoderamento individual. As Mino também eram ricas, tinham alto status e participaram ativamente na captura de escravos e nas guerras contra Abeokuta.
Ah mas cinema é fantasia. Eu concordaria não fosse dois aspectos:
1- O “baseado em fatos reais” ilude o espectador, que passa a achar que está vendo uma representação cinematográfica da história. Quantos tem conhecimento de história pra realmente saber o que é fantasia e o que é história nesses filmes? O filme passa a ser a real história no imaginário das pessoas.
2- Certos momentos e atrocidades da história jamais deveriam ser tratados com leviandade no cinema em respeito às vítimas. Um filme que faz de Hitler um herói valoroso jamais deveria ser feito, por exemplo. Pelo menos eu considero de mau gosto, um desrespeito e uma agressão póstuma à todas as vítimas desse regime. Isso seria válido pra todas as atrocidades do nosso passado incluindo o tráfico de escravos.
Conclusão, como eu sempre digo, nosso senso crítico precisa estar ligado sempre. Precisamos estar atentos a tudo o que consumimos pra não sermos manipulados por aqueles que apenas se importam com o lucro da bilheteria ou desejam avançar uma pauta específica.
Assistir ou não? Eu não estou aqui pra dizer o que você deve fazer, meu propósito é questionar e analisar a cultura pop à luz da Palavra. Cabe a você, se informar, buscar a verdade, consultar a sua consciência, orar e decidir o que fazer.