Last of Us
Os Vaga-lumes estavam certos?
Os filósofos adoram conduzir experimentos mentais. Esses dilemas, envolvem situações bizarras com o objetivo de nos ajudar a esclarecer nosso pensamento, levando-o ao limite.
E às vezes esses experimentos vazam para o entretenimento. O “dilema do bonde” é uma das mais famosas dessas imaginações filosóficas que muitas vezes vemos nos filmes, mas com diferentes disfarces. Havia um monte delas em Batman – O Cavaleiro das Trevas e depois apareceu novamente no final de The Last of Us nas ações dos Vaga-lumes.
Aqui está o dilema básico: um bonde está passando por um trilho e está fora de controle. Se continuar em seu curso sem controle e sem desvio, atropelará cinco pessoas que estão amarradas aos trilhos. Você tem a chance de desviá-lo para outra pista simplesmente puxando uma alavanca. Se você fizer isso, porém, o bonde matará um homem que por acaso está parado neste outro trilho. O que você deveria fazer?
Depois criaram uma variação do dilema que está muito mais próximo da situação que os vaga-lumes estavam enfrentando: A situação é a mesma de antes – um bonde desgovernado ameaça matar cinco pessoas. Um homem muito pesado está sentado na murada de uma ponte que passa sobre os trilhos. Você pode parar o bonde empurrando o homem da ponte para os trilhos em frente ao bonde. Ele morrerá, mas os cinco serão salvos. (Você não pode optar por pular na frente do bonde, pois não é grande o suficiente para pará-lo.)
Vejamos a versão do jogo do dilema: O bonde é o fungo cordyceps. Ellie é o homem pesado que os vagalumes devem empurrar da borda para parar o bonde. E o resto da humanidade são as cinco pessoas que o bonde vai atropelar.
Para muitos utilitaristas, a solução é óbvia. Nosso dever é promover a maior felicidade do maior número. Cinco vidas salvas são melhores do que uma. Portanto, o correto seria puxar a alavanca ou empurrar o homem pesado para a morte.
Aqueles que pensam que seria correto desviar o bonde costumam apelar para o que os filósofos chamam de doutrina do duplo efeito. Simplificando, essa doutrina afirma que é moralmente aceitável fazer algo que cause um dano grave no curso da promoção de um bem maior se o dano em questão não for uma consequência intencional da ação, mas sim um efeito colateral não intencional. O fato de o dano causado ser previsível não importa. O que importa é se o agente pretende ou não o causar.
Mas a vida real nunca é tão simples quanto um dilema filosófico. Sempre há mais variáveis a serem consideradas. E o jogo nos mostra que: 1) Os Vaga-lumes não tinham nenhuma intenção de consultar Ellie se ela estivava disposta a se sacrificar; 2) No dilema empurrar o homem pesado tem 100% de sucesso em parar o bonde; mas a chance de produzir com sucesso uma vacina em condições precárias era muito pequena, produzi-la em massa ainda menor; 3) os vaga-lumes são uma organização obscura na melhor das hipóteses, vemos eles bombardeando ruas com civis inocentes logo no início do jogo. Quem pode dizer qual uso eles dariam à vacina? Quem pode dizer que um futuro em que eles lideram o mundo porque possuem a cura é melhor do que um mundo infectado?
A questão é que o cristianismo não é utilitarista. Nosso pensamento não deve ser guiado pela máxima geral de máximo bem / mínimo dano. Historicamente, essas máximas levaram a algumas ações bastante brutais, já que vidas são denegridas em prol do progresso ou do bem da sociedade ou de qualquer número de outros objetivos aparentemente otimistas. Muitas vezes o que é considerado bom para muitos subtrai os direitos das minorias. Qualquer coisa que nos permita tratar vidas humanas como unidades ou números a serem pesados em uma balança para qualquer propósito deve ser tratado com profunda desconfiança.
Embora, em algumas circunstâncias, o pensamento utilitário em termos de números brutos possa ser inevitável, temos que estar cientes de como essa lógica pode ser usada para elevar o valor de algumas vidas às custas de outras. Por exemplo, o custo financeiro de cuidar de pessoas em coma, idosos ou deficientes é muito alto e poderia ser usado para alimentar muito mais pessoas em um país pobre. Devemos matar todos eles então para realocar o dinheiro? Muitas vidas pelo preço de algumas?
A vida de uma única pessoa vale menos que 100? 1.000? 1.000.000? Deus não parece pensar assim, afinal ele vai atrás daquela 1 ovelha perdida. Nosso relacionamento com ele é individual e ele deseja um relacionamento pessoal com cada um de nós.
Como resolver o dilema do jogo então? Bem, não estaríamos aqui tendo essa conversa SE os vaga-lumes tivessem pedido/convencido Ellie a fazer o sacrifício, por exemplo. No final das contas, o dilema não tinha apenas duas opções.