Passageiros
Proibido final feliz?
A nave espacial Avalon está em uma viagem de 120 anos para colonizar o planeta Homestead II. A bordo estão 258 tripulantes e 5.000 passageiros, os primeiros habitantes do planeta. Eles ficarão em hibernação por quase todos esses 120 anos. No entanto, depois de apenas 30 anos, um dos passageiros, Jim Preston, é acidentalmente acordado de sua hibernação. Por causa da solidão, isolamento e desespero, ele decide tirar da hibernação uma das passageiras – Aurora.
Uma das reclamações mais comuns que vi nas resenhas foi o “final fraco” do filme. Mas eu não concordo. Nos últimos anos o entretenimento foi inundado com cinismo, niilismo, depressão, degeneração, crueldade e se dedicou em contar histórias deliberadamente elaboradas para fazer o espectador se sentir mal. Os “finais felizes” passaram a ser considerados cinema ruim.
Temos muitos roteiros com pessoas horríveis sendo horríveis umas com as outras. Sem heróis ou esperança, apenas morte, miséria, expectativas subvertidas e todos afundando no individualismo, egoísmo e imoralidade/amoralidade.
Francamente, estou cansada disso. Então devemos ter apenas histórias com finais felizes? Claro que não, mas para onde foram os finais felizes e por que achamos que eles são uma escrita ruim e preguiçosa? É proibido ter finais felizes e esperançosos em gêneros como ficção científica e drama?
“Passageiros” conta uma história interessante sobre pessoas imperfeitas, mas simpáticas, com qualidades redentoras que crescem ao longo da história, amadurecem e alcançam um final feliz, apesar das circunstâncias difíceis. Sinceramente, estou chocada que a Hollywood moderna tenha permitido que esse final fosse feito. Tão feliz, esperançoso e virtuoso. E olhe! Um casal que não se divorcia! Heresia!
Fico feliz que eles não tenham transformado esse filme em um thriller sombrio ou filme de terror psicológico, já temos muitos desses, ou tentado um final mais “maduro” matando Jim ou algum outro final sombrio. Fico feliz que este filme tenha me dado uma boa história com um escapismo agradável – do tipo que Tolkien costumava falar.
Afirmei que o Escape é uma das principais funções das estórias de fadas e, uma vez que não as desaprovo, está claro que não aceito o tom de escárnio e pena com o qual o termo ‘Escape’ é agora tão frequentemente usado. […] Por que dever-se-ia escarnecer de um homem se, achando-se na prisão, ele tenta sair e ir para casa? Ou se, quando ele não pode fazê-lo, pensa e fala de outros temas que não carcereiros e paredes de prisão? O mundo lá fora não se tornou menos real porque o prisioneiro não pode vê-lo.
J.R.R. Tolkien – Sobre estórias de fadas
O termo escapismo não é muito bem visto no mundo ocidental moderno. Os escritores de fantasia se distanciaram desse conceito, optando por retratar histórias que refletem de perto o que eles percebem como realidade – onde as recompensas não são garantidas para os virtuosos e a punição nem sempre é aplicada aos perversos (olhando para você, Game of Thrones). Esses autores contestam a noção de final feliz e a cosmovisão otimista que ela simboliza, considerando-a desvinculada da vida real. O pós-modernismo introduziu a ideia de que finais felizes deveriam estar confinados à ficção.
Em seu livro, Tolkien discute dois tipos de escapismo. O primeiro é muitas vezes mal interpretado como o único conhecido – a fuga do desertor. Essa forma de escapismo envolve o uso de histórias para evitar responsabilidades da vida real, como abandonar o trabalho ou negligenciar as obrigações familiares. É um problema sério, como um viciado em drogas depende de heroína. Esses indivíduos “usam” a história como um ópio para se entorpecer e escapar de seus conflitos pessoais.
O segundo tipo de escapismo é a fuga do prisioneiro. Esse tipo de escapismo, que ele considera uma das principais funções dos contos de fadas, é como uma dose de cafeína que nos motiva e inspira a nos aprimorarmos e nos relacionarmos com o mundo. A fantasia tem o poder de estimular a alma humana e encorajar o heroísmo, tornando os heróis nas narrativas não apenas a realização de desejos, mas também fontes de inspiração.
Muitos autores modernos não gostam de Tolkien simplesmente por causa de suas visões de mundo diferentes. Eles acreditam que não há propósito final maior e nenhum final feliz verdadeiro, já que não existe uma bússola moral real e somos mera matéria destinada a deixar de existir. No entanto, sabemos que isso não é verdade. Acreditamos no final feliz planejado por Deus para aqueles que têm fé Nele.
Nosso entretenimento deve refletir isso.
Então, sim, Passageiros tem um final feliz. Tem um casal que luta JUNTOS para sobreviver. Que consegue amar, sacrificar, perdoar e superar suas falhas e erros. Tem um casamento duradouro, feliz e amoroso. E o filme NÃO deve ter vergonha de nada disso.