Amor de Redenção
Igreja ZERA quilometragem?
Escrito em parceria por Cristã Pop e Snow
Já viu essa expressão por aí? Ela ficou bem popular nesses últimos tempos nas redes sociais.
Ela vem de um pensamento, muito comum nos círculos RedPill e até em alguns ambientes cristãos, que trata com certo desprezo mulheres que tiveram um passado de vida sexual promíscua, mas que hoje se converteram a Cristo. Dizem que essas mulheres querem “zerar a quilometragem” — como se elas buscassem a igreja para ‘apagar’ artificialmente seu histórico, e ainda assim buscassem relacionamentos com rapazes virgens, o que seria, segundo essa lógica, uma espécie de injustiça ou hipocrisia.
Mas então igreja zera ou não quilometragem?

Arrependimento e purificação de pecados é o âmago do Evangelho.
“Venham, vamos refletir juntos”, diz o Senhor. “Embora os seus pecados sejam vermelhos como o escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como a púrpura, eles se tornarão como a lã.” (Isaías 1:18)
A ideia de que alguém “regenerado” ainda carrega consigo um status inferior por causa do passado é, na prática, uma negação da cruz. O apóstolo Paulo escreve: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2Co 5:17).
Isso não é uma metáfora motivacional — é uma realidade espiritual. Aquilo que fomos antes de Cristo não define quem somos agora. E não cabe a ninguém colocar sobre os ombros de uma nova criatura o peso da velha natureza.
Um problema recorrente desse pensamento é a seletividade moral. Muitos desses que exigem santidade passada de suas futuras esposas não exigem o mesmo de si mesmos — seja em atos ou pensamentos. Vivem atolados em pornografia, cultivam um olhar impuro e um coração orgulhoso, mas acham que, por serem “virgens”, são espiritualmente superiores. Mas Jesus foi claro: quem olha com intenção impura já cometeu adultério no coração (Mateus 5:28). A pureza, no Reino de Deus, não se resume à ausência de histórico sexual, mas ao domínio próprio, à humildade e ao amor verdadeiro.
Uma pausa para deixar claro: não é errado desejar um casamento puro. Jovens que foram guardados em santidade têm todo o direito de sonhar com alguém que compartilhe desse mesmo valor. A pureza é um presente, e não uma fraqueza. Mas desejar isso não é o mesmo que usar isso como critério para julgar e condenar. Quando o coração se torna seletivo demais na sua noção de justiça, ele começa a pesar a graça — como se ela fosse limitada, condicional ou merecida.
Também é fundamental dizer que o rapaz que escolhe amar e se unir a uma mulher que tem um passado, mas foi transformada pela graça, não está “ficando no prejuízo”. Esse pensamento é anticristão. Esse rapaz está, na verdade, refletindo o próprio amor de Cristo, que nos amou não porque éramos puros, mas para nos purificar. O apóstolo Paulo compara o amor do marido pelo de Cristo na cruz: “Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar…” (Efésios 5:25-26). Cristo escolheu uma noiva que não era pura, mas tornou-a pura por meio do seu amor. E é esse padrão que devemos seguir.
Toda essa discussão nos lembra de um filme baseado em um romance de mesmo nome
— Amor de Redenção:
Sarah é vendida ainda criança para prostituição e ganha o nome de Angel (Anjo). Mais tarde, em sua vida, ela foge do seu cafetão e chega à Califórnia com esperança de começar uma nova vida, mas, sem um tostão, mais uma vez se torna prostituta em um bordel.
Então, um fazendeiro chamado Michael Hosea ora para que Deus lhe envie uma esposa. Mais tarde naquele dia, ele vê Angel caminhando pela cidade e se apaixona. Quando Michael entra no quarto de Angel e diz que quer se casar com ela, ela fica desprevenida, mas permanece indiferente a ele. Só depois de quase ser espancada até a morte por um guarda de bordel é que ela concorda em se casar com Michael.
Ele cuida dela até recuperar a saúde, apesar de sua indiferença em relação a ele. Michael continua a surpreendê-la ao afirmar que a ama como esposa e se recusa a ter relações com ela até que ela retribua o sentimento. Com medo de confiar nele, ela continua fugindo para sua vida anterior, mas Michael nunca desiste dela.
Fico pensando o que os que estão por aí falando de quilometragem diriam sobre essa história.
Diriam que ela é rodada?
Que não merece casar?
Que deveria continuar oferecendo seus serviços?
Pior ainda, quando ela tem uma recaída e dorme com o amigo do marido, certamente a apedrejariam em praça pública.
E o que diriam de Michael? Que não é homem de verdade? Um grande otário?
Eis o plot twist: este filme (e livro) é inspirado na história do profeta Oséias.
Oséias foi chamado por Deus para ministrar ao Reino do Norte de Israel por volta de 755 a.C. a 710 a.C. A coisa mais notável que aprendemos sobre ele é que ele foi chamado por Deus para se casar com uma mulher chamada Gômer, uma adúltera para ilustrar Seu amor por Israel. Infelizmente para Oséias, ela o abandonaria, sendo escravizada por um de seus muitos amantes. Oséias acabaria, porém, por comprá-la de volta como sua noiva.
Em Oséias 2:19-20, Deus diz: “Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, em juízo, em benignidade e em misericórdias.” Isso é graça: um Deus que não ama porque somos puros, mas que nos purifica porque nos ama.
Mas isso é uma da relação de Deus com seu povo escolhido Israel, não tem nada a ver comigo, certo? Você lembra de como a Igreja é chamada na Bíblia? A Noiva.
Então meu caro, aos olhos de Deus, Michael (ou Oseias), é uma figura dEle mesmo. Sim, aquele que você pode ter classificado como otário alguns minutos atrás. E a Sarah (Gômer), a prostituta, a infiel, a imperdoável, é você. Sou eu, todos nós. Aos olhos do Pai somos todos igualmente impuros, “pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.” (Romanos 3:23)

Já no céu, a reação à conversão e salvação de uma alma gera uma resposta bem diferente: “Eu digo que, da mesma forma, há alegria na presença dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”. (Lucas 15:10)
Ah, mas a pessoa pecou de novo! É mesmo, lírio do campo? Você diz isso como se em ti não houvesse pecado, a quarta pessoa da trindade. A Bíblia também tem algo a dizer sobre isso:
Tomem cuidado. — Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: ‘Estou arrependido’, perdoe-lhe“. (Lucas 17:3-4)

Por fim, precisamos lembrar que pureza não é apenas retrospectiva, é direção. Não se trata apenas de onde viemos, mas para onde estamos indo. A mulher que chorou aos pés de Jesus e enxugou seus pés com os cabelos era conhecida como pecadora. Mas Jesus disse: “Os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou” (Lc 7:47). Ele não a definiu por quem ela foi, mas por quem ela se tornou em arrependimento.
Resumindo a ópera: é legítimo querer um casamento santo. Mas é pecado julgar quem já foi alcançado pela graça.
