Batman v Superman
Um filme mais profundo do que parece
Batman V Superman foi um dos filmes de quadrinhos que mais causou divisão. De fato, não é um filme pra Oscar ou algo assim, mas eu acho que ele foi mal interpretado e é na verdade um dos melhores filmes de super-heróis de todos os tempos, principalmente a versão estendida.
Batman V Superman é um filme sobre a civilização ocidental e a sua relação de amor e ódio ao Deus Cristão.
Em Homem de Aço, Zack Snyder nos apresentou o Superman como uma figura de Cristo. Então, quando você entra em BvS, já existe essa sensação de que Deus veio ao mundo em carne, mas a humanidade não sabia o que fazer em relação a isso.
Para realmente entender e apreciar este filme como algo mais profundo do que a maioria dos filmes de quadrinhos, a gente precisa entender três ideias ou temas teológicos e filosóficos que são explorados neste filme.
BvS começa com um problema de teodiceia. Teodiceia é um ramo da teologia que trata da questão do mal à luz da existência de Deus. Se Deus é justo, santo e bom, como existem o mal e a miséria? Ou como Lex Luthor diz no filme: “Se Deus é todo-poderoso, ele não pode ser todo bom. E se ele é totalmente bom, então ele não pode ser todo poderoso.”
O filme começa com a morte trágica dos pais do jovem Bruce Wayne e, em seguida, a conecta na cena seguinte, à raiva avassaladora de Bruce pelo sofrimento de milhares de inocentes em Metrópolis enquanto Superman lutava contra Zod para salvar o mundo.
Nos destroços de um prédio, Bruce encontra um empregado seu, Wallace Keefe, preso nos escombros. Depois Bruce corre para salvar uma garotinha que esse “Deus” Superman teria deixado morrer nos destroços.
Vamos falar de Bruce Wayne/Batman mais pra frente, mas é importante observar neste ponto que a resposta de Bruce ao problema do mal é negar a bondade de Deus. Superman pode ser onipotente, mas não é bom.
Wallace Keefe desempenha um papel importante em estabelecer o problema do mal como um tema central. Keefe perde toda a família e fica paraplégico no que ficou conhecido como o evento “black zero” em Metrópolis. Sua resposta é escalar um monumento construído em homenagem ao Super-Homem e pintar as palavras “falso deus”.
E qual é o problema de Lex Luthor com o Superman? Bem, parece que essa versão do Lex também tem um problema de teodiceia. Lex tem dúvidas sobre a superioridade moral de um Deus onipotente que poderia permitir que eventos como o “black zero” acontecessem. Lex quer se rebelar contra a visão de mundo que mantém a vontade humana subserviente à vontade de Deus.
Se Deus supostamente onipotente não escolheu intervir e salvar o jovem Lex do abuso físico que ele sofreu de seu pai quando criança, então o que dá a Deus a base moral para exigir obediência da humanidade? Talvez a vontade de Deus devesse se inclinar ao homem.
Essa representação de Lex Luthor como um millenial do Vale do Silício faz todo o sentido. Ele faz parte de uma geração que rejeitou a ideia de um Deus amoroso, porém santo, justo e poderoso que exige obediência e não é apenas um gênio da lâmpada ou um vovô bondoso.
Naturalmente, Superman não é Deus. Não é onipotente, onipresente ou onisciente. A acusação de Lex, ou seu problema de teodiceia está mal direcionado. Mas a gente não pode sair desse tópico sem falar do problema do mal em relação ao nosso Deus cristão. Como diz Timothy Keller em seu livro “Caminhando com Deus em meio à dor e sofrimento”:
As discussões atuais sobre o problema do sofrimento começam com um Deus abstrato que, de acordo com o argumento, é todo-poderoso e todo-bondoso, mas não é glorioso, majestoso, infinitamente sábio nem um Deus que não teve origem, o criador e sustentador de todas as coisas. Não é de admirar, então, que hoje as pessoas estejam mais inclinadas do que seus antepassados a achar que, se elas não conseguem encontrar um bom motivo para determinada circunstância de sofrimento, Deus também não pode ter uma razão que o justifique.
Mas…
…um dos ensinos do livro [de Jó] é sobre a futilidade e impropriedade de achar que a mente humana é capaz de entender todos os motivos de Deus para qualquer situação de dor e sofrimento, muito menos para toda a maldade.
Se até mesmo o voo de uma borboleta ou o rolar de uma bola colina abaixo é algo complexo demais para ser calculado, quão menos capaz não é o ser humano de analisar a morte trágica, aparentemente “absurda”, de um jovem e ter qualquer ideia de quais serão seus efeitos na história? Se um Deus onipotente e onisciente estivesse dirigindo a história toda com seus números infinitos de eventos interativos rumo a finais felizes, seria tolice achar que poderíamos analisar qualquer acontecimento e entender um milésimo dos resultados.
Portanto,
Se Deus tem bons motivos para permitir o sofrimento e o mal, então não há contradição entre sua existência e a existência do mal.
Isso nos leva à segunda razão pela qual a rejeição do Superman em BvS é um símbolo do problema que a civilização ocidental tem com Deus. O pós-modernismo.
O que é pós-modernismo? Ele representa uma forma de relativismo cultural sobre coisas como verdade, realidade, razão, valor, significado linguístico, o “eu” e outras noções. Em uma visão pós-moderna, não existe verdade objetiva, realidade, valor, razão e assim por diante.
Perry White, o chefe de Clark e Lois no Planeta Diário, diz a Clark que os seus valores de Smallville de honestidade, integridade, trabalho duro, verdade e justiça são ideias datadas do passado.
Ao rejeitar a verdade e os valores do passado, o pós-modernismo trouxe caos e insegurança. Se tudo é relativo, como me portar? Em que acreditar? Como resolver conflitos?
Para muitos, este “Deus” com um “S” no peito não é um símbolo de esperança, mas um símbolo de opressão simplesmente porque ele tem poder e traz consigo um conjunto de valores próprio e “desatualizado”.
Lex entende dessa forma e em sua busca para “matar Deus”, ele até cria situações para manipular a opinião pública sobre o Superman e mostrar que esse “Deus que você acredita ser bom é apenas um opressor poderoso”.
Lex cria o incidente no Quênia, onde Superman aparece para salvar Lois, e manda seus capangas matarem as pessoas na vila e atear fogo nela e em uma cena crucial, que não saiu no corte original do filme para alguma razão, culpar o Superman pela destruição.
É por isso que Lex também traz Wallace Keefe para a audiência no Capitólio e orquestra o atentado enquanto Superman está lá dentro. Tudo isso para fazer com que esse “Deus” pareça uma força opressora.
É a rebeldia da criatura em sua quinquagésima milionésima versão. O Homem quer fazer seu próprio caminho, escolher seus próprios valores e definições de felicidade. Põe de lado tudo o que Deus determinou e no seu lugar coloca sua própria vontade. O resultado é sempre o mesmo: sofrimento, morte, caos e destruição.
A terceira grande ideia explorada em BvS, por meio de Bruce Wayne/Batman, é o niilismo e por tabela o existencialismo. Niilismo é a rejeição de todo significado religioso e moral. É a sensação de que a vida não tem sentido. Existem várias formas de niilismo e várias formas de resposta ao niilismo que poderíamos chamar de existencialismo e encontramos em filósofos como Soren Kierkegaard e Friedrich Nietzsche.
Mas a maneira mais simples de descrever o existencialismo e como ele se relaciona com o niilismo é que um existencialista aceita que alguém pode não ser capaz de encontrar objetivamente um sentido na vida e que o universo é absurdo, mas ainda assim podemos escolher rebelar-se contra a falta de sentido e escolher criar sentido.
Em grande parte dos quadrinhos, na série animada e na trilogia de Christopher Nolan, Batman é frequentemente apresentado como um herói existencialista.
Gotham City é um lugar frio e absurdo onde até pessoas boas como Thomas e Martha Wayne podem ser mortas por um punk aleatório com uma arma. Diante desse desespero, um jovem Bruce Wayne opta por se rebelar contra o que parece ser o fato objetivo de que Gotham City é um lugar sem esperança e sem qualquer significado.
E em todas as melhores versões do Batman, na minha opinião, esse é o objetivo dele, basta salvar uma pessoa. Talvez seja um absurdo preocupar-se com um, mas é isso que faz do Batman um herói existencialista e do Coringa a constante tentação niilista de desistir de seu código moral e sucumbir ao absurdo.
Esta versão do Batman em BvS sucumbiu a graus mais profundos de desespero niilista do que o que vimos em qualquer adaptação anterior do personagem para a telona. “Ah mas o Batman não mata”. Mas é essa a questão. Esse Batman, nesse estado de espírito e grau de desesperança, mata sim. Ele perdeu sua bússola moral e até Alfred vê isso.
Historicamente, o niilismo surgiu como resultado da morte de Deus, ou poderíamos dizer a morte das noções cristãs tradicionais de Deus, quando saíram de moda na civilização ocidental.
É apropriado, então, que conforme Batman se afunda cada vez mais no desespero niilista, ele se aproxime cada vez mais de matar Deus simbolicamente ao tentar matar o Superman.
Alguém até perguntou a Zack Snyder nas redes sociais alguns anos atrás porque com toda a tecnologia à disposição do Batman ele usaria uma lança de criptonita como arma para matar o Superman e Snyder respondeu com uma famosa pintura de Cristo na cruz com a lança perfurando seu lado.
Eu sei que a Internet está recheada de piadas e memes sobre salvar Martha, mas acho que aqueles que consideraram essa cena ridícula, perderam a mensagem simbólica mais profunda. Uma mensagem que você não vê com frequência em outros filmes de quadrinhos.
O que mudou a mente de Bruce não foi a onipotência de Deus, mas sim a humanidade de Deus feito carne. Ele vê um Deus que sofre – ele reconhece que essa figura de Cristo nasceu de uma mulher assim como ele. Kal-El, a voz de Deus, ou logos, se você preferir, compartilha de sua humanidade.
“Deus sabe o que é sofrer, não só porque vê o sofrimento com muito mais clareza do que nós, mas também porque ele sofreu pessoalmente das formas mais severas possíveis… para fazer justiça, punir o pecado de modo que, em amor, ele nos perdoasse e recebesse, Deus teve de suportar em si mesmo a punição pelo pecado. Deus Filho recebeu o castigo que nós merecíamos, incluindo o afastamento do Pai. Assim, Deus abrigou em seu interior, em seu coração, uma agonia infinita – por amor a nós.”
Timothy Keller
Agora a gente passa para o terceiro ato deste filme. Depois de enxergar a humanidade de Deus, Bruce está em processo de recuperação de sua esperança, significado e propósito. Mas Lex obviamente não está feliz por “Deus” ainda estar vivo, então ele liberta o monstro Doomsday (a representação física do pecado).
Por fim, não é o poder do Superman, pelo menos como normalmente concebemos o poder, que derrota o Doomsday. Em vez disso, é seu ato sacrificial que quebra o poder dessa força monstruosa. Superman, assim como Cristo, se sacrifica por amor a humanidade.
Isso vai de encontro com a teologia cristã e que pode até soar paradoxal. A morte da humanidade é derrotada pela morte daquele que é totalmente humano e totalmente Deus.
No funeral do Superman, ouvimos o clássico hino cristão “Amazing Grace”. “Eu estava perdido, mas agora fui encontrado, estava cego, mas agora eu vejo.” Cego como um morcego, talvez? A morte do Superman deu a Bruce olhos para ver e uma esperança renovada. Ele segue para o próximo capítulo de sua vida com um novo senso de propósito e significado.
Que assim seja conosco também, que as nossas forças e esperança sejam renovadas sempre que olharmos para a cruz e lembrarmos daquele que mesmo sendo Deus, morreu por amor a nós, humanos ingratos e corruptos.
Por fim, quando a câmera corta para o túmulo de Clark Kent, vemos a poeira começando a subir do caixão, uma indicação da ressurreição do Superman. Jesus Cristo, Deus Filho – também venceu o maior dos vilões – a morte.
Disse-lhe Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente. Você crê nisso?
João 11.25,26
Você crê nisso?
Referências:
Timothy Keller – Caminhando com Deus em meio à dor e sofrimento. Vida Nova, 2016.
Canal do Youtube Deep Talk – Batman v Superman