Bioshock
A sociedade perfeita?
BioShock é o primeiro jogo da série lançado em 2007. A história se passa em 1960, quando Jack, o único sobrevivente de um acidente de avião, descobre a entrada da reclusa cidade subaquática de Rapture.
Rapture é uma cidade construída no fundo do Oceano Atlântico pelo bilionário Andrew Ryan. Foi inaugurada em 1946 e a construção concluída em 1951. Rapture deveria ser um paraíso para os maiores artistas, cientistas e pensadores do mundo trabalharem livremente, sem restrições do governo e da religião; um lugar onde qualquer cidadão pode obter seu próprio ganho, ao invés de se importar com altruísmo e as necessidades dos outros – um paraíso ‘objetivista’.
Um homem tem uma escolha; eu escolhi o impossível. Construí uma cidade onde o artista não temeria o censor, onde o grande não seria constrangido pelo pequeno, onde o cientista não seria limitado pela moral mesquinha. Eu escolhi construir Rapture. Mas minha cidade foi traída pelos fracos. Então, eu pergunto a você meu amigo, se sua vida fosse o prêmio, você mataria um inocente? Você sacrificaria sua humanidade? Todos nós fazemos escolhas, mas no final… nossas escolhas… nos… fazem!
Andrew Ryan
O projeto da cidade não incluiu um plano para os construtores após a sua conclusão e muitos acabaram desempregados. Ryan e seu Conselho Central deram pouca atenção aos destituídos e ignoraram o assunto. De acordo com a filosofia de Ryan, os infelizes são deixados para encontrar seu próprio caminho para a prosperidade – a sobrevivência do mais apto.
Ao mesmo tempo, a Dra. Brigid Tenenbaum descobriu que uma substância secretada por algumas lesmas do mar se comportava como células-tronco e, ao usá-la, a doutora poderia manipular o DNA, curar doenças e dar poderes incríveis ao homem. A substância foi chamada de “ADAM”.
A pesquisa para aumentar a produção de ADAM levou os cientistas a implantar lesmas no estômago de meninas – o único hospedeiro de sucesso. Para produzir ADAM em massa, a empresa montou o “Orfanato da Irmãzinha”, anunciando-o como um lugar onde meninas pobres receberiam cuidados e educação. As meninas transformadas passaram a ser conhecidas como Irmãzinhas ou Little Sisters.
Mas ADAM tinha efeitos colaterais e o vício em massa da substância se tornou um problema. O uso excessivo fazia com que as pessoas se tornassem violentas e muitos cidadãos começaram a usar ADAM em grandes quantidades para se defender, alimentando ainda mais o ciclo de violência e loucura. O caos tomou conta. Este é o momento em que nosso protagonista Jack (e o jogador) entra em cena “acidentalmente” e precisa encontrar seu caminho de volta à superfície.
Jack descobre os muitos segredos de Rapture e interage com seus personagens, incluindo as Little Sisters. Assim, Jack tem duas opções ao longo do jogo: deixar-se levar pela ideologia amoral e niilista da cidade e de seu criador OU seguir o caminho da virtude, empatia, amor e auto sacrifício do ideal cristão.
Nesse sentido, os finais e as consequências que o jogador gera a partir dessa decisão são bem próximos da nossa realidade: três finais são possíveis, dependendo de como o jogador interagiu com as Little Sisters, mas os finais 2 e 3 são muito parecidos. Se o jogador resgatou todas as Little Sisters (salvando suas vidas), o final mostra cinco Little Sisters voltando à superfície com Jack e vivendo vidas plenas sob seus cuidados; terminamos em um tom comovente, com um Jack idoso cercado, em cuidado e amor, em seu leito de morte por todas as cinco Little Sisters adultas.
Se o jogador colheu (e matou) todas ou parte das Little Sisters, o jogo termina com Jack matando as meninas. Tenenbaum narra esse final, condenando Jack e suas ações como egoístas, gananciosas e nada melhores do que as do idealizador da cidade – Andrew Ryan. Mais tarde, um submarino carregando um míssil nuclear se depara com os destroços do avião em que Jack chegou e é tomado por Jack e seu exército de Splicers e fica implícito que ele vai atacar o mundo da superfície.
Toda ideologia gera consequências, inclusive essa visão materialista de Andrew Ryan que acaba gestando o niilismo. No século 19, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche anunciou a morte de Deus. Quando ele fez isso, um espírito de otimismo tomou conta do mundo intelectual, que, por sua vez, teve um impacto tremendo na cultura da Europa e da América. Muitas pessoas receberam alegremente o anúncio de Nietzsche. Os jornais divulgaram uma vitória importante para o humanismo, libertando a humanidade – assim se pensava – da dependência de uma deidade sobrenatural. Pessoas previram o livramento do mundo de doenças, guerras, ignorância e todas as coisas que prejudicam a civilização humana.
No centro desse otimismo estava as boas notícias de que, uma vez que Deus não existia, não havia a necessidade de temer um julgamento final, e, visto que não há um julgamento, não há responsabilidade moral.
Duas guerras mundiais e um holocausto depois, o otimismo deu lugar ao pessimismo. O homem agora é visto como um acidente cósmico que se move fatalmente em direção ao buraco negro do nada, da não existência. O otimismo se tornou melancolia amarga, e a cultura se voltou para as drogas e outros meios de escape para evitar a horrível ideia de que nossa vida é um exercício de futilidade.
Se não há Deus, se a vida termina no túmulo, nada do que fazemos importa e nenhuma tecnologia ou educação são capazes de nos salvar do nosso derradeiro final – o nada. O resultado de nos afastarmos de Deus é sempre o mesmo – dor e sofrimento.