Mufasa
Vale à pena?
Quando a Disney anunciou que faria um prequel de O Rei Leão—um dos seus filmes mais amados—era óbvio que ia dividir opiniões. Ofilme tenta contar a história do Mufasa quando ele era jovem, desde seu começo humilde até se tornar rei. Só que, na minha opinião, o filme não chega nem perto do original. O que mais me incomodou foi como trataram o Scar, um dos melhores vilões da Disney, e o impacto que esse prequel tem no legado de O Rei Leão.
A Trama: Um Resumo Rápido
O filme começa com o Mufasa ainda filhote. Ele é separado da família durante uma enchente e acaba sendo resgatado por Taka, um jovem príncipe leão. Apesar de terem origens bem diferentes, os dois criam um laço forte. Mas, com o passar do tempo, essa amizade é colocada à prova. Eles enfrentam ameaças de uma alcateia de leões brancos liderados por Kiros, que quer vingança pela morte do filho.
No meio disso, Sarabi aparece como uma figura importante na história, se tornando um ponto de conflito entre Mufasa e Taka. O ciúme de Taka da relação crescente entre Mufasa e Sarabi faz ele trair o amigo e adotar o nome Scar, depois de um desentendimento entre os dois. O filme termina com uma grande batalha contra Kiros e os Exilados, em que Mufasa prova ser digno de ser rei. Já o Scar é, finalmente, transformado no vilão que conhecemos no clássico.
O Problema com a Caracterização de Scar
Scar não é só um grande vilão—ele é um dos melhores personagens que a Disney já criou. No filme original, as motivações dele são simples: ele quer poder. Mas o que o torna inesquecível é a frieza com que age. Quando ele mata o Mufasa e faz o Simba acreditar que a culpa é dele, Scar se estabelece como um dos vilões mais cruéis e marcantes do cinema. Ele não só elimina o irmão como também manipula o sobrinho para garantir o próprio reinado. É pura maldade calculada.
Só que em Mufasa, muito do que torna o Scar tão incrível vai por água abaixo. O filme cai naquele clichê de transformar vilões em vítimas das circunstâncias. Esse tipo de abordagem até funciona em algumas histórias, mas aqui só enfraquece o personagem. O que faz o Scar ser tão fascinante é justamente o fato de ele ser implacável, sem arrependimentos. Tentar justificar ou humanizar suas ações tira sua força.
Ao transformar o Scar numa figura trágica, o filme o torna menos ameaçador e complexo.
A Retcon dos “Irmãos”
Uma das decisões mais estranhas de Mufasa é mudar a história e dizer que Scar e Mufasa nunca foram realmente irmãos. A Disney até declarou que, no filme original, eles também não seriam irmãos de verdade. Mas isso não faz sentido se olharmos os diálogos do filme original:
“Ora, se não é meu irmão mais velho!”
“Eu era o primeiro na fila até aquela bolinha de pelos nascer.”
“Irmão? Me ajude!”
“Receio estar na extremidade rasa do pool genético.”
Essas falas deixam bem claro o parentesco deles. E mais: essa relação de sangue é essencial para o impacto emocional da história. O Rei Leão original se inspira fortemente em Hamlet, e a traição entre irmãos é central para o peso emocional da história. A traição do Scar dói tanto justamente porque ele está traindo o próprio sangue. Quando o filme tira essa conexão familiar, a traição parece mais uma rivalidade política qualquer e perde muito da profundidade pessoal e do peso emocional.

Imagine se Cláudio, o vilão de Hamlet—que inspirou O Rei Leão—não fosse irmão do Rei Hamlet. A traição seria tão marcante? Certamente não. O vínculo familiar—e a expectativa social de lealdade que vem com ele—é o que torna a traição tão profunda. É o fato de serem irmãos que faz tudo ser tão devastador.
Com essa mudança, o filme deixa de provocar aquele choque de: “Nó, como ele é cruel!”, e vira mais um “O trono era dele né. Mufasa talarico, véi.”
A Motivação de Scar
Outra coisa que o filme não faz bem é justificar o ódio do Scar pelo Mufasa. A maior parte do ciúme dele vem da relação entre Mufasa e Sarabi, mas esse conflito é explorado de forma bem rasa. Se o filme tivesse mostrado, por exemplo, que Scar tinha uma relação próxima com Sarabi desde filhote, ou que eles tinham algum tipo de promessa de casamento, isso poderia ter dado mais profundidade ao personagem. Mas não. Eles mal se conheciam.
No fim, o que sobra é uma motivação frágil e mal trabalhada, que não combina com as ações grandiosas e cruéis do Scar no futuro, e nem do presente.
A mudança de Scar para o “lado sombrio” não convence. No filme original, o que move o Scar é a fome de poder, e isso é o suficiente para torná-lo um baita vilão. Já em Mufasa, suas motivações parecem rasas e inconsistentes. É como se o filme quisesse seguir o mesmo caminho de Malévola e Cruella, tentando “humanizar” o personagem. Mas isso só o torna menos interessante.
Essa História Precisava Ser Contada?
Isso leva a um ponto maior sobre prequels e sequels. Essa é uma história que precisava mesmo ser contada? É claro que muitos filmes desse tipo não são essenciais, mas ainda assim são bons. A pergunta mais importante seria: ” Essa história acrescenta algo ao original ou só tira?”
No caso de Mufasa, a resposta é clara: tira.
Ao tentar recontextualizar o conflito do filme original, o prequel prejudica o que fazia O Rei Leão funcionar tão bem. A maldade pura do Scar é diluída, suas motivações são enfraquecidas e a conexão emocional da traição é diminuída pela ideia de que ele e Mufasa não são irmãos.
No fim das contas, Mufasa é uma adição deletéria ao legado de O Rei Leão. Enquanto o filme original é uma obra-prima atemporal, esse prequel não consegue capturar a mesma magia. Pelo contrário: ele complica a história com visuais genéricos, músicas esquecíveis (a música serelepe do vilão, gente… bye-bye) e escolhas narrativas questionáveis.
Não é à toa que o filme não está rendendo o esperado nas bilheterias. Torço para que o fracasso de Mufasa (e de outros projetos como o live-action de Branca de Neve) seja a última gota que fará a Disney repensar essa onda de remakes em live-action.
Nem todo vilão precisa de uma origem triste.
E, às vezes, o melhor é deixar um clássico como está.